© Paulo Abreu e Lima

sexta-feira, 9 de setembro de 2016

Amar não é bem isso (2)


Há uma convicta lhaneza na facilidade com que se ama um filho, um pai, um avô, enfim, a nossa família de sangue. Da mesma forma, há uma alegada simplicidade com que se ama o nosso par – amor eros, romântico, românico, robusto. O Homem, ser territorial e tribal, defende e cuida os seus, os da sua pertença e os da esfera da sua afinidade – amigos. É-lhe natural, logo, não muito distintivo dos demais seres vivos. Amar o próximo é que é o diabo. Difícil como um raio. Anti natura. E, porventura, a mais sublime e desapegada forma de entrega e cuidado. Por isso, amar o Outro, sem mais, não transige na natureza de todos. Segundo Jean-Paul Sartre, o Inferno são precisamente os outros. Não que o sejam tout court, mas pela liberdade intrínseca de cada um, nunca plenamente subjugada por nós. E é nesta dinâmica de intersubjectividades onde surte o conflito de individualidades. Mas vejamos, sem espartilhos morais, a utilidade e a grandiosidade deste tipo de sentimento maior. Entre quatro paredes do nosso bairro tendemos a desenvolver a má-fé, isto é, desculpas auto-infligidas que almejam justificar os nossos próprios fracassos: tive um mal desempenho porque o patrão é incompetente, o professor é mau, o vizinho tocou bateria durante toda a noite. Não foi porque negligenciei o trabalho, porque estive toda a tarde no facebook ou estive nos copos à conversa. Ninguém é responsável sozinho, nem consciente isolado. Falta sempre o outro para nos conhecermos na plenitude. Ora aqui está a utilidade. Por outro lado, vejamos a grandiosidade: abdicar do nosso novelo liberta-nos e eleva-nos, saímos de um patamar raso chimpado de partículas miudinhas da nossa bolha concomitantemente protectora e mesquinha. Amar o próximo não é sair de nós, é sair pobre e voltar abonado. É certo que não há incondicionalidade, mas ninguém a solicitou. Sai de dentro para o desconhecido, e, com isso, tememos e desconfiamos se provir do outro - nada mais natural, faz parte da nossa condição retráctil. Amar o próximo é o mais sublime e completo nutriente. Em doses generosas, não constará perigo de extinção da espécie.